Ensaio sobre a cegueira

Muita gente tem medo do escuro. Eu não tenho. Não enxergo nada além de manchas negras, e isso faz com que a escuridão seja apenas mais um detalhe entre tantos detalhes presentes em minha vida.
Dizem que as lágrimas servem para lubrificar os olhos, mas não sei qual o sentido de derramá-las se elas não são capazes de desembaçar a minha visão. Por isso não choro mais.
Assim que fiquei cega, aos 13 anos, por um motivo que nem mesmo os médicos souberam explicar, eu não conseguia entender porque dentre tantas pessoas, isso aconteceu logo comigo. Ouvi uma vez minha tia falando com minha mãe que aquilo devia ser castigo de Deus por algo que fiz, mas nunca acreditei nisso. Primeiro, porque não lembro de ter feito nada errado e depois porque acho que Deus é amoroso demais pra castigar alguém dessa forma.
Mas aprendendo a conviver com meu problema, descobri que enxergar não é tudo. Desenvolvi minha audição, meu olfato e meu tato, treinei minha memória para aprender a identificar as pessoas pela voz e pelo cheiro, e retirei de meu interior algo que eu não imaginava possuir: o dom de cantar.
A música é algo sublime que não me permite perder o brilho de viver tudo o que tiver ao meu alcance. Por meio dela, consigo até mesmo o que pra mim parece impossível: visualizar o comportamento dos que estão ao meu redor. Sinto como se numa uniforme conexão de pensamento, todo o universo parasse aos meus pés e desfrutasse a melodia, o ritmo e o tom.
E à medida que os dias passam, tenho certeza: Deus não me abandonou. Só me deu a oportunidade de saborear com mais intensidade os meus outros sentidos. Antes eu não parava para refletir porque algumas partes do meu corpo eram importantes. Hoje, acordo feliz com o canto dos pássaros, sinto o maravilhoso aroma do café quem minha mãe faz, e sinto a textura, maciez e o inconfundível gosto dos alimentos. Concluo dizendo que não há dificuldade que não possa ser superada. Nunca diga que não pode fazer algo. Se eu quero, eu consigo. E você, o que está esperando pra correr atrás do eu deseja?

“As dificuldades ensinam e fortalecem. As facilidades iludem e enfraquecem”.